Como um ex-funcionário da Ambev e seus sócios levaram o
estilo de gestão da cervejaria para 34 bares e restaurantes em um ano e como
planejam transformar outros 250 estabelecimentos
Cauê Zaccaroni, João Paulo Badaró e Marco Argiona, da CanAll: time qualificado para fazer choque de gestão em bares e restaurantes
São Paulo - Administrar bem um bar é um dos trabalhos mais
complicados que existem”, diz Paulo Solmucci, presidente nacional da Associação
Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).
A explicação é simples: essa é uma atividade que exige
habilidades tão distintas como saber negociar com fornecedores, planejar e
monitorar as vendas e zelar pelo atendimento. “Comandar esses três tipos de
operação, para quem não tem experiência em administração, é muito difícil.”
Ainda assim, a Abrasel estima que haja 1 milhão de bares e
restaurantes em atividade no Brasil. Quase 400.000 a mais do que nos Estados
Unidos, de acordo com uma pesquisa feita pela consultoria de mercado americana
NPD.
Essa diferença enorme não existe porque o brasileiro gosta
mais de beber e comer fora do que o americano, mas, basicamente, porque 80% dos
empreendimentos por aqui são pequenos negócios familiares, que não faturam mais
de 15.000 reais por mês.
Consequentemente, a maioria desses negócios tem gestão
amadora. É por isso que três em cada dez bares fecham todos os anos só em São
Paulo e 27% dos estabelecimentos não ultrapassam a barreira dos dois anos de
vida, segundo estudo do Sebrae. Cada bar que encerra as atividades representa,
em média, menos 15 empregos no mercado.
Foi observando os erros dos donos de bares que o
administrador de empresas baiano João Paulo Badaró, de 38 anos, decidiu
abandonar 15 anos de história dentro da Ambev para se lançar em um projeto
pessoal. João começou como gerente da Brahma, em Salvador, e chegou a diretor
de novos negócios da companhia.
Há um ano, pediu demissão e criou a CanAll, empresa para
gerenciar bares e restaurantes de todo o país seguindo o modelo de gestão da
Ambev. A filosofia da cervejaria pode ser resumida em obsessão por controle de
custos, definição de metas objetivas e meritocracia.
O negócio da CanAll funciona assim: um dono de bar avalia
suas contas e percebe que está com prejuízos seguidos. Em vez de fechar as
portas, ele contrata a CanAll para analisar todos os processos do
estabelecimento, desde o funcionamento da cozinha e a limpeza dos banheiros até
o controle de estoque, o fluxo de caixa, a administração de pessoal e os
procedimentos para compras.
“Estabelecimentos com uma operação saudável têm margem de
lucro de 20%. Mas a grande maioria não consegue esse desempenho porque há um
vácuo na gestão”, diz João.
Esse foi o trabalho desenvolvido no bar do comerciante
baiano José Augusto Martins Junior, em Salvador. Um ano e meio depois de abrir
o negócio com a mulher, um sonho do casal, eles concluíram que seria melhor
fechar as portas para não perder mais dinheiro. Quando José Augusto soube da
proposta de trabalho de João, resolveu fazer a última tentativa. “É uma
auditoria. Eles fazem uma radiografia completa”, diz o comerciante.
Contas e processos analisados, era a hora de colocar o bar
nos eixos. Para isso, o primeiro passo foi identificar todos os custos que
poderiam ser cortados — começando pelo cardápio. Nem o prato preferido de José
Augusto escapou. O escondidinho de rabada com agrião saiu do menu pela
complexidade. Já a versão de bacalhau foi excluída porque era o único prato com
o peixe.
“Não faz sentido comprar matéria-prima para fazer um prato
só”, diz José Augusto. Outro ingrediente que deixou de ser oferecido foi a
picanha. “Desenhamos o menu com base em uma pesquisa de preço nacional, mas foi
muita burrice. A picanha na Bahia é bem mais cara do que em São Paulo. Quem não
tem visão profissional do negócio demora mesmo para perceber isso”, afirma.
Mas, para a alegria de baianos e turistas, o camarão foi mantido no cardápio.
Como a complexidade nos processos da cozinha caiu pela
metade, foi possível diminuir também o pessoal. Eram oito profissionais,
ficaram quatro. Processo semelhante aconteceu com os garçons. Ao fim de seis
meses, as despesas já haviam diminuído 15%. “Nós ainda estamos pagando algumas
dívidas, mas até o fim do ano acredito que teremos um lucro estável.” José Augusto
não fala no plural à toa.
Quando ele diz “nós”, refere-se não apenas à sua mulher mas
também a João, já que as formas de pagamento aceitas pela consultoria são
participação acionária ou ganho proporcional ao da margem de lucro.
Foi assim que o empresário conseguiu, em menos de um ano,
expandir a CanAll para nove operações próprias, consultoria em gestão de 25
bares e três projetos para a expansão de três marcas, entre elas a do badalado
Café de La Musique, em São Paulo, que já tem unidades espalhadas por todo o
país.
Estão sob sua batuta o quiosque Chopp Brahma do aeroporto de
Guarulhos, o bar Louis, em São Paulo, o Bar do Ferreira, em Brasília, o Bar da
Boa, no Rio de Janeiro, e o Seu Boteco, em Salvador, entre outros.
Cada um deles é visitado religiosamente ao menos duas vezes
por mês. Com a rede atual, João fatura 70 milhões de reais por ano. Mas as
metas são mais ambiciosas.
“Pretendo chegar, em quatro anos, a 250 unidades entre
negócios próprios e geridos e a um faturamento de 400 milhões”, diz João, que
tem 18 pessoas no escritório de São Paulo, uma equipe que conta com
profissionais trazidos de empresas como Red Bull, Flying Horse, McDonald’s e
Cacau Show. “Fui recrutando os melhores, porque o produto que tenho para
oferecer é o conhecimento.”
O mercado para empresas como a CanAll só deverá crescer nos
próximos anos, já que a Abrasel estima que, num cenário cada vez mais
competitivo, apenas sobreviverão bares e restaurantes com gestão profissional.
A estimativa é que o número total de estabelecimentos se reduzirá em 20% em
todo o país nos próximos dez anos, ficando em 800.000 empreendimentos.
Mas isso não significa que o dinheiro que circula por esse
mercado vai encolher. Pelo contrário, a expectativa é que o faturamento do
setor aumente 15% para os estabelecimentos que se mantiverem.
A Abrasel também estima que o setor vai recrutar 2 milhões
de pessoas na próxima década. Para quem deseja trabalhar no setor, é um ótimo
motivo para comemorar. Principalmente se for ao redor de uma mesa de bar.
Fonte: http://exame.abril.com.br/
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