Essa qualidade, que faz de nós pessoas muito especiais, pode ser
desenvolvida. Cultive-a e se torne criativa, resistente às frustrações,
hábilna procura de solução para os problemas e capaz de fazer de um
limão uma fábrica de limonada.
A palavra tem sonoridade estranha e significado pouco conhecido, mas
pode fazer a diferença na sua vida. O conceito vem da física: é a
propriedade que alguns materiais apresentam de voltar ao normal depois
de submetidos à máxima
Tensão. As fibras de um tapete de náilon são o exemplo simplificado
dessa ação - elas recuperam a forma assim que acabam de ser pisadas e
amassadas. A psicologia tomou emprestada essa imagem para explicar a
capacidade de lidar com problemas, superá-los e até de se deixar
transformar por adversidades. Detalhando melhor, o resiliente não se
abate facilmente, não culpa os outros pelos seus fracassos e tem um
humor invejável. Para completar o leque de requintes, ele age com ética e
dispõe de uma energia espantosa para trabalhar. Perfil de herói?
Parece. Mas essa qualidade é encontrada em gente de carne e osso.
Segundo Haim Grunspun, professor de psicopatologia da PUC-SP, um terço
da população do mundo tem traços de resiliência.
Os especialistas em comportamento começaram a estudar o tema, lembra
Grunspun, quando se colocaram diante da interrogação: por que - em
comunidades atingidas por enchentes, terremotos, perseguições raciais,
violência e guerras - algumas pessoas se saem bem e outras não? Chamava a
atenção um detalhe: aquelas que venciam um obstáculo se mostravam
"vacinadas" para enfrentar o próximo. Que fenômeno seria esse? Até os
anos 90, os estudiosos defendiam que a habilidade para administrar
conflitos era inata, como um dom. A partir daí, comprovaram que o homem
pode, sim, desenvolver a capacidade de se recuperar e de crescer em meio
a sucessivos problemas. Grunspun acredita que é na infância que se
aprende melhor esses conteúdos. Ele está lançando o livro A Criança
Resiliente: Quando e Como Promover Resiliência para ajudar a criar essa
mentalidade desde cedo. Nas escolas de Nova York, foram distribuídos em
setembro passado 2 milhões de cartilhas para que alunos entre 8 e 11
anos possam crescer resistentes. A medida foi tomada depois que
psicólogos atestaram a eficácia da intervenção social, com base na
resiliência, adotada com os filhos das vítimas do atentado às torres
gêmeas.
Mas também é possível desenvolver resiliência na vida adulta. A
velocista Ádria Rocha, 29 anos, a maior estrela do universo das
paraolimpíadas, com uma coleção de medalhas de ouro e prata, pode ser um
bom modelo para você se inspirar. Ela garante que se torna mais
resistente a cada dia. Filha de um pedreiro e de uma costureira, Ádria e
outros três irmãos, entre nove, têm retinose pigmentar, doença que
atinge a retina e pode levar à cegueira. Mineira de Nanuque, a atleta
conta que enxergava minimamente e que amargou a discriminação de
professores e de colegas por causa da dificuldade de aprender. Superou o
drama ao encontrar sua expressão no esporte. Já havia se destacado nas
Paraolimpíadas de Seul, quando, aos 15 anos, se deparou com uma gravidez
precoce. Casou e abandonou as pistas por exigência do marido. Aos 18
anos, mais problemas: ficou completamente cega. A nova realidade fez com
que Ádria juntasse forças para se separar e voltar aos treinos. Sem
patrocínio, sustentava a filha, Bárbara, vendendo bilhetes de loteria
nas ruas de Belo Horizonte. Títulos e medalhas vieram um atrás do outro,
até conquistar o primeiro lugar no ranking mundial. Ela detém o recorde
de 12 minutos e 34 segundos nos 100 metros rasos, obtido em 2000, em
Sydney. "Se ficasse choramingando, usando como desculpa a falta de
dinheiro, de visão e de marido, com certeza não chegaria a lugar algum",
diz. Quem ouve a história de Ádria imagina que seja a mulher-maravilha.
Não é. Ela desmoronou no ano passado, ao sofrer uma contusão no joelho e
uma cirurgia. "Tive medo de não conseguir mais correr", revela. Para
essas pessoas especiais, porém, um empurrão basta. No caso da atleta,
veio da fisioterapeuta Vanda Sampaio. "Ela me acompanhou nos exercícios e
me ajudou a recuperar a autoconfiança."
Uma das principais especialistas em resiliência, a psicóloga Cenise
Monte Vicente explica que, para desenvolver essa capacidade, nós
precisamos encontrar apoio - mesmo que pequeno - e sentir que alguém
acredita em nós. "O parceiro tem uma função restauradora", garante. Ela
chegou a essa conclusão analisando o caso de um garoto de família
aristocrata que perdeu os pais, ficou sem dinheiro e foi morar num
convento de freiras, que o agrediam. Toda vez que era mantido de castigo
num porão, o garoto notava que uma freira entrava e chorava. "Embora
não falasse nada, a atitude dela transmitia conforto. Era um momento de
reparo, renovava a certeza de que alguém acreditava nele." Outra
descoberta de Cenise sobre o resiliente é o distanciamento que mantém do
moralismo e do papel de juiz. "Ele não julga seus agressores, não
classifica como maus os que o atrapalham e ainda é capaz de compreender
por que agiram de forma tão drástica", afirma. "Se encaramos o
adversário como um demônio poderoso, fica quase impossível lutar contra
ele." Mais: "Analisar o contexto e levar em conta todos os lados do
problema ajuda a pessoa a enfrentar melhor a situação que ela considera
irreversível".
Os Balboni não se deixaram sucumbir diante do adversário nem das
circunstâncias. A família de Luiz Fogaça Balboni, o Zizo, poderia ter
vivido um processo de desagregação, como ocorreu na casa de vários
jovens perseguidos pelo regime militar. Zizo foi morto em 1969, numa
emboscada montada na capital paulista pelo temido delegado Fleury, que
caçava oponentes da ditadura. O universitário de 24 anos pertencia a um
grupo que acreditava que a luta armada era a única forma de mudar o
país. A polícia transformou o velório dele, na pequena São Miguel
Arcanjo (SP), num ato de advertência. Durante anos, a cidade olhou feio
para os Balboni, que tiveram o crédito cortado até na mercearia. Na
época, eles tentavam se levantar de uma falência, e a divulgação de que
Zizo seria um inimigo da ordem pública só dificultou as coisas. A
família, porém, arriscou novos negócios e se reergueu financeiramente.
Dezenove anos depois, foi reconhecida a responsabilidade do Estado na
morte do estudante e os Balboni receberam 125 mil reais de indenização.
Ninguém pensou em torrar o dinheiro nas ilhas gregas. "Tínhamos que
aplicar em algo que representasse a luta dele", lembra o irmão Aldo.
Criaram, então, o Parque do Zizo, uma área de 300 hectares de mata
Atlântica, na região de São Miguel Arcanjo. Ali, preservam animais em
extinção e planejam pesquisar plantas com potencial farmacológico. No
local, fica um hotel para quem quer conhecer as trilhas da reserva. Além
de exorcizar a dor, a atitude gerou um benefício para outras pessoas.
O fatalismo e a vitimação passam longe dos resilientes. Nunca pensam:
"Tudo é difícil", "Não consigo mudar de rumo" ou "Ninguém faz nada por
mim". Pelo contrário, arregaçam as mangas, como os Balboni, para
reverter a situação indesejável. E têm metas bem definidas - nada de
grandes devaneios, como enriquecer, ficar famoso... Plano, para eles, é
algo concreto, acessível e realizável a curto prazo. Cenise chama isso
de escada-sonho: você elege um projeto e, quando ele está realizado,
escolhe outro, que, concretizado, servirá de trampolim para mais uma
etapa. Na escada-sonho de Ádria os degraus estão próximos. "Me vejo
quebrando o meu recorde nas Paraolimpíadas de Atenas este ano, cursando
fisioterapia e depois comprando uma casa", revela. "É isso mesmo",
explica Cenise. "Os projetos dos resilientes vêm acompanhados de
imagens. Quem não consegue se projetar no futuro dificilmente realiza
seus desejos."
Uma atitude importante: não considerar prejuízo as perdas que
ocorrem. Com 2 anos, Elisa Boéssio, 22, perdeu a mãe, que sofria de
câncer. Foi então criada pelo pai, o maestro gaúcho José Pedro Boéssio,
que lhe ensinou a ser livre, positiva e a viver de bem com o mundo. Há
três anos, o maestro morreu num acidente de carro com outros dois filhos
do segundo casamento. "Sofri muito, mas não considero só o fato de
perdê-los. O episódio me levou a mudanças de rumo", declara Elisa, que
mora sozinha, em Porto Alegre. "Aprendi que o meu centro de apoio deve
estar em mim. Se estivesse centrada na presença física do meu pai, que
amei tanto, teria enlouquecido." Ficaram os valores que ele ensinou.
"Parece que escuto sua voz dizendo onde erro, quando acerto... me educo
com essas lembranças." Desde pequena, Elisa não permite que tenham pena
dela. "Por que deixaria que me considerassem uma coitada? Ouvi fitas
gravadas pela minha mãe, ainda doente, em que ela pede para eu ser
feliz, ter amigos, ir à praia." A mudança de rumo a que Elisa se refere
incluiu alterações até de ordem prática. Ela havia passado no vestibular
de direito uma semana antes do acidente que vitimou a família. O
episódio, que parecia atordoá-la, colaborou na reflexão sobre outros
setores. "Estava indo para algo que não era minha verdadeira vocação",
conta. Meses depois, trancou a faculdade, fez cursinho e entrou em
medicina. "Nas dificuldades, também reside a oportunidade de
crescimento", diz Olga Falceto, professora de psiquiatria da Faculdade
de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. "A crise é
representada, no ideograma chinês, por um símbolo que traduz perigo e
oportunidade ao mesmo tempo", lembra. Para perceber as chances que a
crise traz, Olga sugere: "Dê um tempo para pesar prós e contras. Assim, a
ansiedade diminui". O próximo passo é se nutrir das pequenas vitórias
que você conquistou, mas que acabou minimizando. Depois, conecte-se com a
forma utilizada para atingir aquelas vitórias. Por último, inspire-se
nos ídolos que superaram problemas. "Trabalhando os recursos pessoais, o
lado saudável, você se fortalece muito mais do que se ficar enfatizando
as suas deficiências e os seus conflitos", diz. Pronto, agora ficou
mais fácil iniciar um projeto de resiliência para melhorar a sua vida.
Manual de superação
No momento da crise, formule uma explicação para o que está
ocorrendo: analise as circunstâncias, a seqüência dos fatos e as razões
do adversário. Tente entender os seus sentimentos em relação a tudo
isso.Pense no que vai fazer quando sair da crise. Fica mais fácil
suportar a dor ao se imaginar no futuro.
O tempo que rege o resiliente é o presente. Comece, agora, a mudar a situação indesejada: estude, trabalhe, seja livre.
Estabeleça vínculos com pessoas que podem representar coragem e
estímulo. Mas não espere que uma delas faça o papel do salvador da
pátria para resgatá-la do fundo do poço. A melhor saída é sempre aquela
que você encontra.
Valorize as pequenas vitórias. Lembre-se de como as conquistou e veja que pode ousar de novo. Isso traz autoconfiança.
Não pense só em você, mas nos que vão se beneficiar da sua conquista ou tomar sua história como exemplo.
Por Patrícia Zaidan
http://claudia.abril.com.br
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